26 outubro, 2008

Diamantina


Mercedez entrou naquela cidade como se estivesse sonhando, quando as luzes clareavam as ruas desertas por onde, de dia, caminharam homens, mulheres e crianças, e sabendo que todo relato é um relato de viagem - uma prática do espaço. Não poderia imaginar que, nessas ruas - que mais pareciam abrigar os fantasmas das mentes em sonho, seria traçado o ensolarado dia seguinte. Nessa noite conheceu Índio e foi abrigar-se em Milho Verde, onde tambores rufavam e as cachoeiras eram verdes, onde lhe foi reapresentada a fé revestida de beleza. Tudo em Milho Verde era magnífico e dava medo - medo do imponderável, do inexplicável, do sublime, da sublime monotonia da natureza -, mas era supremo demais para a fragilidade e a insaciabilidade urbana de Mercedez que, cortando diamantes de pedra, retornou à cidade de Chica da Silva, a escrava que se fez rainha seduzindo o contratador dos diamantes, João Fernandes de Oliveira, e cuja fortuna foi descrita popularmente como maior do que a do rei de Portugal.
De volta à cidade, que se transformara em espaço de ficção, conheceu Karina, Linda, Laurinha, Narinha, Everton, Elton, Norton, Daniel: mineiros que de tão arretados mais pareciam baianos a viverem muito bem por entre os vales do Espinhaço.
De cada um que conhecia, carregava o que de melhor aparentavam e deixava o que de melhor dispunha e os dias iam se passando, dias que já não eram segundas ou sextas, na memória de Mercedez, que amava tudo ali e se dava às prosas mais empolgadas e contagiantes.
Conversou sobre mundos distantes, vidas paralelas e diabos a solta na rua no meio do redemoinho. Esteve, por lá, certa de que o Diabo não está em lugar algum, mas que habita dentro dos homens e deixou-se empossar...
Veio a conhecer, por insistência, Martírio Desventura, mais conhecido como “Pleiba”, dito douto que se faz parecer mais do que é com respostas prontas do tipo: “conheço também”, “posso te passar os contatos”. Foi assim que Mercedez encontrou o Diabo: vestido como anjo, solícito e dedicado como um servo.
Todavia, não tendo tempo a perder, de olho no espaço e sagaz como uma onça, a moça foi proteger-se em moita desconhecida, onde jamais podia imaginar o por vir. Fugindo do Diabo em forma de Pleiba, descobriu um manancial: o próprio Paraíso Perdido de Camões e Caminha, onde das vergonhas as índias não têm vergonha, onde escrever nada tem a ver com significar, mas com dimensionar, cartografar espaços e regiões, mesmo que sejam ainda por vir. Diamantina não passara de um sonho, de um rebanho de novidades e criatividade, um rebento.

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