24 dezembro, 2008

O dia 24 de dezembro, véspera do Natal, tinha sido um dia daqueles em que, intuitivamente, Helena sabia que alguma surpresa guardava.
Foi ao trabalho, onde, ao invés de trabalhar, assistiu à Across the Universe. No caminho de volta para casa, deu carona pra uma senhora que, sem mais nem menos, começou a lamentar o destino da filha que se casara com um louco aos 15 anos e hoje apanhava calada todos os dias na frente dos filhos. Constrangida pelo trágico destino daquela família, Helena sentiu uma solidária obrigação de também relatar alguma desgraça particular e lembrou-se de um ex-namorado, com quem tivera muitas brigas e diferenças.
Chegando em casa, abriu a porta e, alegremente, como era de costume, cumprimentou Dona Ritinha, que fazia a faxina de rotina:
_“Bom tarde, Dona Ritinha!”, disse Helena, que escutou estalar em seus ouvidos: _“Dona Ritinha?? Dona de quê? Dessas perna e desses braço que limpa a sujeira da sua casa??
Saindo pela porta, Dona Ritinha, que sempre atravessara aquela passagem com ar de resignação, completou, justificando o rompante de lucidez: _“E é isso mesmo que a senhora tá ouvindo. A gente só descobre o jeito da gente mesmo, quando não dá conta de ser de outro jeito”.
Helena sentiu seu coração palpitar e fazer correr o sangue em seu corpo. Sequer conseguiu reagir àquela cena.
Como se não bastasse para aquela tarde, peeeeen: alguém tocou a campanhia. Helena foi atender e ouviu pacientemente um pedido de esmola: _ “Eu preciso de uma ajuda para uma família de pessoas com leucemia, qualquer alimento não perecível serve”, disse o rapaz desconhecido à porta.
Helena respondeu: _“Vou ver se tem alguma coisa.”
Voltando para dentro de casa, olhou no armário da cozinha e pensou: “Hum, só tem esse pacote de feijão fechado. Acho que não sou responsável pela fome do mundo. Dar essa esmola só vai contribuir para a sobrevivência dessa situação de desigualdade.”
Voltando à porta, disse ao rapaz: _“Infelizmente, não fiz compras e não tenho nada”.
O rapaz insistiu: _“Qualquer coisa: uma barra de sabão, um pouco de arroz”.
_“Huum, então, deixa eu ver de novo”, respondeu Helena, que retornou em seguida com a barra de sabão na mão e foi surpreendida pela atitude do rapaz que pegou o pacote sem fazer o menor gesto de gratidão e saiu.
Helena o interpelou: _“De nada!”
E ele respondeu: _“Por nada!”
Chocada com a atitude do rapaz, Helena voltou para dentro de casa, atendeu o telefone que tocava e ficou sabendo pela vizinha que Dona Ritinha, aparentemente uma hipocondríaca que tinha perdido o pai aos seis anos de idade com sete derrames, tinha mais histórias pra contar... Depois da morte do pai, a mãe tornou-se uma desvairada prostituta que se arranjava e arranjava os filhos como podia. A irmã, abandonada pelo marido que se engalfinhou com a vizinha, perdeu o filho de sete anos em sete dias por causa de um câncer que pensavam ser verme. A família, depois disso, nunca mais fora a mesma e as desgraças pareciam se somar exaustivamente na vida de Ritinha até o dia em que ela encontrou Jesus. Foi quando passou a pensar que talvez nada no mundo material tivesse mesmo fundamento e se libertou em partes da marginalidade em que se inseria, passando a lutar bravamente para conseguir sobreviver com os três filhos que lhe legara o marido, também falecido.
Nesse ponto da história, Helena já não podia mais ouvir aquela tragédia de vida e se perguntava o que tinha haver com aquilo tudo. Intoxicada da desgraça alheia, pensou por um minúsculo segundo em cometer suicídio por causa dos problemas aparentemente insolucionáveis da humanidade, mas este seria um gesto muito grandioso para o tamanho de sua consciência e compaixão.
Helena desligou o telefone e desejou profundamente voltar para sua vidinha. Não sabia - e ainda não sabe - o que tem haver com tudo isso ou quanto vale sua participação na história dessas pessoas que não vivem, mas apenas sobrevivem à espera da ressurreição.

18 dezembro, 2008

Medida de amor

O amor não é algo que se meça
Nem que se peça

Não é algo que se minta
Só que se sinta

Pode ser correspondido
Ou talvez despercebido

Pode ser escancarado
Mas nem sempre
mascarado

15 dezembro, 2008

Nesse caminho de veredas que se bifurcam,
Vou vivendo ................
As linhas da palma da mão se entrelaçando ..
E os pescoços também .
Sua voz e a minha se envolvendo ............
E as mãos se dando............
Criando no entrelaço o destino......

13 dezembro, 2008

O amor e o cosmo

Ele disse a ela que não sabia como eram
os caras de lá de onde ela vinha

Mas que por ali
A gente cria um elo
quando faz amor com ela

Moema, eu tava pensando...


Vai ver que as coisas não são assim bem como você diz. Vai ver que assim por detrás tenha-se um ângulo obtuso. Você não vê. Mas ele existe. Mesmo que seja difícil acreditar no que não se vê, quando já não se acredita nem no que se vê. A vida é uma só para não querer vivê-la várias vezes. Atravesso um caminho cheio de plantações de eucalipto. Queria que estivesse comigo. O horizonte nunca esteve tão verde. Olhando assim de lado, o céu parece o mar.

09 dezembro, 2008

Brinco

Brinco com os sentimentos das pessoas como se eles fossem durar para sempre
Mas eles não duram até o fim da brincadeira...
Finjo que não estou atraída, mas me entrego na primeira brincadeira
E faço tudo parecer que é uma brincadeira
Descomprometida de desenganos
Fugaz como um desejo irresistível...

05 dezembro, 2008

...Gente

Tem gente que existe no espaço que ocupa
Gente que influencia no crescimento das plantas e nos raios da lua
Gente de quem a presença é sentida, notada e criticada
Gente que espanta ladrão
E gente que é só solidão
Gente...

26 novembro, 2008

Dexa pra lá!

Se auto-complacência for o que eu penso (e é: acabei de pesquisar no Google – quer dizer, condescendente consigo próprio), sou super auto-complacente.
Por exemplo: considero que evolui e acho que fui pontual em quase todos os meus compromissos do dia porque adiantei meu relógio 10 minutos para evitar meus atrasos de 40 e obviamente continuo atrasada em meia hora.
Também me sinto super saudável quando almoço no restaurante vegetariano que fica ao lado do meu trabalho, mas há meses não faço uma caminhadazinha pra disfarçar meu sedentarismo..
E penso: “Difarçar pra quê? Por que devo ser assim, assado, conforme a receita do bolo de caixinha amarelado e sem graça que a vizinha faz toda terça-feira??”
Pra completar, dou risada e me redimo de um erro profissional grotesco, considerando-o ridículo demais para ser levado a sério.
Mas tudo bem. Também tudo isso porque em outros momentos sou severa demais comigo mesma e perco as medidas de consideração e vejo que tudo pode ser ou não ser tão exatamente como considero!

23 novembro, 2008

SER ARTISTA NÃO É POR OPÇÃO.
É POR CONDENAÇÃO!

20 novembro, 2008

"O artista está sempre na situação de dizer a um só tempo: reclamo novos meios, e temo que os novos meios anulem toda a vontade de arte". Gilles Deleuze

Conceito
Entre o primeiro filme de um cineasta e o último de um outro, a PERPENDICULAR - 2ª Mostra de Cinema e Vídeo do Triângulo se abre para um tempo que se bifurca. De 26 a 30 de novembro no Palco de Arte e na Oficina Cultural, em Uberlândia.

16 novembro, 2008

Tem gente que é diferente
Que pensa que depois de ter nascido sozinho, careca, sem dente e pelado,
Tudo que vier é lucro
Gente que gosta de cantar nas cachoeiras
E não se importa se podem pensar que ele é maluco
Gente que sabe o que é uma risada verdadeira
Gente que está doido para amar, mas treme de medo e aflição quando encontra um amor
Gente que sabe o que quer e gente que não faz a menor idéia
Gente que adora mexer o corpo, na água ou no ar, e fingir que pode voar
Gente

10 novembro, 2008

Descobri o culpado pela crise financeira! É o McDonald's.

Na internet

Hoje eu vou pensar, eu vou escrever eu vou falar, falar sobre quando as relações se tornam virtuais...
Você não tem um blog?
Ah, então não vai entender.
Porque ter um blog exprime assim uma necessidade tão íntima
De aparecer, de se ver.
Mesmo que seja numa folha de papel
Ou de internet...

Onde eu estava mesmo?
Na internet.

03 novembro, 2008

Baby

Há uma semana no mês que é diferente das outras:
Iansã aparece

e derruba com o vento
as fronteiras inventadas

28 outubro, 2008

Senhas - Adriana Calcanhoto

Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos

Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas

O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até os estetas
Eu não julgo competências
Eu não ligo pra etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades

O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Não, não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem

26 outubro, 2008

Diamantina


Mercedez entrou naquela cidade como se estivesse sonhando, quando as luzes clareavam as ruas desertas por onde, de dia, caminharam homens, mulheres e crianças, e sabendo que todo relato é um relato de viagem - uma prática do espaço. Não poderia imaginar que, nessas ruas - que mais pareciam abrigar os fantasmas das mentes em sonho, seria traçado o ensolarado dia seguinte. Nessa noite conheceu Índio e foi abrigar-se em Milho Verde, onde tambores rufavam e as cachoeiras eram verdes, onde lhe foi reapresentada a fé revestida de beleza. Tudo em Milho Verde era magnífico e dava medo - medo do imponderável, do inexplicável, do sublime, da sublime monotonia da natureza -, mas era supremo demais para a fragilidade e a insaciabilidade urbana de Mercedez que, cortando diamantes de pedra, retornou à cidade de Chica da Silva, a escrava que se fez rainha seduzindo o contratador dos diamantes, João Fernandes de Oliveira, e cuja fortuna foi descrita popularmente como maior do que a do rei de Portugal.
De volta à cidade, que se transformara em espaço de ficção, conheceu Karina, Linda, Laurinha, Narinha, Everton, Elton, Norton, Daniel: mineiros que de tão arretados mais pareciam baianos a viverem muito bem por entre os vales do Espinhaço.
De cada um que conhecia, carregava o que de melhor aparentavam e deixava o que de melhor dispunha e os dias iam se passando, dias que já não eram segundas ou sextas, na memória de Mercedez, que amava tudo ali e se dava às prosas mais empolgadas e contagiantes.
Conversou sobre mundos distantes, vidas paralelas e diabos a solta na rua no meio do redemoinho. Esteve, por lá, certa de que o Diabo não está em lugar algum, mas que habita dentro dos homens e deixou-se empossar...
Veio a conhecer, por insistência, Martírio Desventura, mais conhecido como “Pleiba”, dito douto que se faz parecer mais do que é com respostas prontas do tipo: “conheço também”, “posso te passar os contatos”. Foi assim que Mercedez encontrou o Diabo: vestido como anjo, solícito e dedicado como um servo.
Todavia, não tendo tempo a perder, de olho no espaço e sagaz como uma onça, a moça foi proteger-se em moita desconhecida, onde jamais podia imaginar o por vir. Fugindo do Diabo em forma de Pleiba, descobriu um manancial: o próprio Paraíso Perdido de Camões e Caminha, onde das vergonhas as índias não têm vergonha, onde escrever nada tem a ver com significar, mas com dimensionar, cartografar espaços e regiões, mesmo que sejam ainda por vir. Diamantina não passara de um sonho, de um rebanho de novidades e criatividade, um rebento.